A BELA DA TARDE

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Quem não tem um amigo mentiroso?

Não via o Osvaldo desde a época em que íamos com freqüência ao cinema, no tempo em que a moda era curtir filme francês, quando ele adotava um ar meio-soturno, para parecer existencialista... Era fã da Catherine Deneuve e da Jeanne Moreau..

Há uns vinte anos, com surpresa ele surgiu no meu escritório; mal nos cumprimentamos e já e começou a falar:

“Se eu te contar, nem vais acreditar”

Meu silêncio foi a confirmação da incredulidade antecipada. Ele prosseguiu.

“Acho que vou ser pai”.

Dei os parabéns e não vi nada de extraordinário nisso. Ele riu e completou.

“É que não sabes quem é a mãe”. Fez um silencio e revelou:

“É a Catherine Deneuve”.

Só tive do tempo de recuperar o fôlego e pedir confirmação se era a atriz.

“Ela mesmo”, disse exultante.

Diante da minha perplexidade, solicitei alguns detalhes para entender, e ele seguiu contando.

“Eu tinha ido ao Rio, onde ia ficar na casa da minha tia. Desci no Galeão. Entro sozinho no elevador do aeroporto e quem eu vejo lá dentro?

“O Ernesto Geisel”, apartei ironizando.

“Não, era ela mesmo, em carne, osso e deslumbrante. Catherine Deneuve. Ela sorriu e tremi na base. Ao vivo era muito mais bonita que no cinema. Fiquei louco, sozinho ali com a mulher dos meus sonhos, sem saber falar francês”.

E então? Perguntei curioso.

“Aí lembrei da única frase que eu sabia em francês, olhei firme para ela e disse:

“J’ai perdu ma plume dans le jardin de ma tante”.

“Ela não entendeu direito, mas não dei tempo. Segurei-a pelo braço, saímos do elevador e tomamos um táxi. Eu também não acreditava no que estava acontecendo e dei ao motorista o endereço da minha tia. Essas mulheres famosas adoram uma aventura. Ela foi topando, era tudo muito rápido”.

Perguntei pela tia.

“Não estava em casa, era no final da tarde e nós ali no jardim e começou aquela loucura de procurar caneta pra cá e pra lá e de repente aconteceu ali mesmo. Foi um “déjeneur sur l’herbe”; mostrando mais conhecimento de francês do que dizia ter...

Quis que ele confirmasse que foi no jardim, perguntei pelo problema da língua.

Ele entendeu diferente e disse que a língua o ajudou na hora dos beijos, o idioma é que dificultou um pouco.

“Mas foi mon amour, chéri e mais algumas expressões que são universais, sabes como é”? Disse num tom quase professoral.

Perguntei se não se falaram mais.

Ele lembrou o tempo do cinema.

“Foi tipo filme policial, pouco diálogo e ação intensa.”

Insisti na duração daquele encontro. Ele respondeu.

“Ora, já dizia o poetinha “O amor é breve...

Interrompi pedindo para me poupar de recitar o Vinicius e ele seguiu.

“Foi incrível, a Bela da Tarde e o seu Latin Lover aqui, que loucura. Que achas disso?

Diante da pergunta, respirei fundo para me recobrar da inverossímil narrativa, parei um pouco e respondi a ele.

“Realmente tu sempre foste um amante do cinema, isso é um roteiro extraordinário. Que coisa fantástica.

Só falta agora ressuscitar Mazzaropi, convidar o E.T. e vocês fazerem o filme do século”!

THE END

MÚSICA: F...comme femme – Salvatore Adamo



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