O BACALHAU DA MEIOTA

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Xeretear ou espionar a vida alheia voltou a ser moda. Nos tempos da ditadura isso era comum. A ditadura terminou, mas graças aos avanços da tecnologia e o uso frenético do telefone celular a escuta voltou com força total. Alguns dos que antes criticavam a espionagem hoje se refestelam com ela.

O filme alemão “A vida dos outros” fez uma excelente análise da personalidade do sujeito que fica escutando os outros. É alguém que passa a viver a vida de outrem, um “voyeur” auditivo, ou simplificando, um punheteiro eletrônico.

Feita esta introdução, que é uma crítica às escutas e o pretexto para começar uma crônica usando “x”, é hora de conhecer a história que dá origem ao título.

Foi no tempo da ditadura. Nossa turma se reunia num bar e a política não era o tema dominante. O grupo era heterogêneo e por lá apareciam desde o Fernandinho Comunista, marxista de bar, inflamado no discurso e ausente na ação, ao dr. Jacu que “tinha amigos no governo” e achava tudo perigoso.

De todos, o único que se levava a sério era o Limonada, um tipo misterioso que falava baixinho; diziam que era visado pelo DOPS (a escuta da época) e que teria atividades clandestinas. O que nos unia eram o papo e as farras da juventude.

Ponto e nova linha para falar da Meiota, uma baixinha oferecida que circulava por lá. Diziam que era meio-puta ou meia-puta, não sendo claro se era pela putice relativizada ou pelo seu tamanho. Tinha várias amigas e, por isso, era festejada por todos.

O Valentim era um velho padeiro português que caiu de encantos por ela. Tentando agradar ao nosso grupo, pagava algumas cervejas.

Como bom português resolveu preparar uma bacalhoada na casa da Meiota; seria para poucos, pois o local era acanhado. Porém a notícia vazou e ganhou contornos inesperados.

Não havia celular e os telefones eram poucos, mas a má intenção era abundante. Assim o que se comentava é que haveria um bacanal na Meiota. O bacalhau virou bacanal. A idéia de uma festa paga pelo padeiro e com as amigas da baixinha deixou todos interessados. Até o Limonada ficou sabendo e convidou alguns amigos dele, sendo que todos eles estavam grampeados.

Os arapongas, que escutavam o Limonada e seus amigos, viram uma grande oportunidade de flagrar os subversivos em plena orgia e chantageá-los com as imagens.

A Meiota morava com uma tia lá onde o Alto Petrópolis é muito mais Viamão.

O público era de grenal e as dependências bastante modestas.

O cheiro de alho empestava o ambiente, o Valentim já empapado de vinho cuidava da cozinha. Na sala, se é que dava para chamar de sala, a confusão era grande.

O momento mais constrangedor foi a chegada dos agentes do DOPS, os arapongas que queriam flagrar o Limonada e seus parceiros em cenas comprometedoras. Logo se deram conta do grande equivoco, não tinha orgia alguma e, para justificar, acabaram se identificando como policiais e alegaram que teriam vindo em razão de reclamação dos vizinhos.

O Bacanal da Meiota na verdade era um Bacalhau à Minhota. O luso exaltava as receitas da região do rio Minho e, diante de tanto público inesperado, ainda tentou aumentar a comida acrescentando mais batatas para atender à demanda, mas nem o improvisado batatalhau salvou o bacalhau.

Insistiu com os agentes da DOPS para que ficassem e participassem do jantar.

Desmoralizados e com fome resolveram ficar. Até a “viatura” deles foi usada para buscar reforço alimentar, pois não havia comida para todos.

Houve uma ligeira troca nos pecados capitais, a luxúria foi abandonada em favor da gula, permanecendo sempre o desejo de pecar.

A culinária portuguesa sofreu um grande revés.

A escuta telefônica foi totalmente desmoralizada.

O Valentim bêbado foi colocado na cama ao lado da tia da Meiota.

Era preciso buscar algo para comer, foi de uma pizzaria na Estrada do Forte, único local aberto naquela hora da noite, que veio a comida suplementar.

Assim, mais uma vez, confirmou-se a tese, que toda escuta telefônica sempre termina em pizza.







Música: FESTA NO APÊ – Latino



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