freud na calçada

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O Carsalberto trabalhava num edifício velho, perto da rodoviária e tinha seus truques muito especiais para evitar o baixo astral.

Nos dias que acordava de mau humor, com uma ponta de ressaca, quando a única mulher que lhe telefonava era alguma operadora de telemarketing, ele já começa a se sentir com a autoestima nos calcanhares, então era hora de agir imediatamente, para não ficar deprimido.

Pegava o casaco e avisava ao pessoal do seu trabalho que ia sair, o pretexto era que precisava tomar uma injeção. Na verdade era injeção de ânimo, mas ninguém perguntava, pois já estavam acostumados com aquilo.

Colocava óculos escuros, acendia um cigarro e ia caminhando lentamente por aquelas ruas miseráveis e sujas perto do seu escritório. Era uma zona de meretrício e as pobres mulheres ficavam na calçada oferecendo seus serviços. Ele deixava os olhos semicerrados e ia apenas ouvindo o que elas diziam: “Vem cá bonitão, vamos transar”, “oi querido, vem comigo”, “tesão”, “gostoso” e tantas outras frases e convites para atraí-lo. Ele não olhava para elas, para não se horrorizar e nem ficar decepcionado e apenas ouvia o que diziam e ia saboreando exclusivamente as palavras.

Assim dava a volta no quarteirão, retornava calmamente ao trabalho curtindo os convites que lhe tinham sido feitos e também evocando mentalmente outras palavras que ouvira das suas namoradas de verdade. Então sentava na sua mesa e retomava a rotina digitando no computador. O fantasma da depressão estava afastado.

Costumava comentar com os amigos que não gostava de remédios e nem de consultar médico, ele mesmo se tratava. Lembrava de outro amigo que fazia psicoterapia e que não tinha melhorado, além de estar gastando uma boa grana. Por isso suas soluções não ortodoxas estavam dando resultado.

Confessou que numa determinada época até procurou um psicólogo, amigo da irmã dele, foi a algumas consultas, achou que o cara tinha uma boa conversa, dizia frases interessantes, mas nada que se comparasse com o que as mulheres diziam no auge do relacionamento. Então resolveu se dar alta e encerrou o tratamento dizendo:

olha doutor vamos terminar com isso, até concordo com algumas das suas conclusões científicas, mas – cá pra nós – não tem nada melhor para colocar a estima da gente nas nuvens, do que uma mulher chegar pra ti, olhar nos teus olhos e dizer do fundo da alma:

Me chama de gaveta e me desarruma toda”.

Música – POOR SIDE OF TOWN – Johnny Rivers



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