FUMMUS BONI IURIS

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O título em latim é apenas provocação. No texto ADVOGADOS QUE GOSTAM DE ESCREVER disse que por vezes chego a utilizar alguma expressão menos jurídica nas petiçõesque faço ou, até mesmo, um recurso literário, pois a atividade forense não é incompatível com o prazer de escrever. O importante é expor com clareza.

Como exemplo vão abaixo cinco pequenos trechos de petições.

Vale registrar que são processos já encerrados, e, com a satisfação de ter conseguido sucesso para o cliente no final das respectivas ações judiciais.


O CASO: Uma empresa de transportes, cujos caminhões possuem dispositivo que permite suspender um dos seus eixos, ingressou com ação para não pagar pedágio, em relação ao eixo que pode ser erguido, sob o argumento que causaria menor dano ao pavimento. A ação foi julgada improcedente.

Abaixo um trecho interessante da contestação.

A CAMA DO FAQUIR

As rés pedem vênia pelo curioso título deste tópico, mas a evocação tem absoluta pertinência com o objeto da ação. Justifica-se para facilitar a compreensão de um fenômeno da física, que é matéria pouco frequente no mundo jurídico.

Dito isto, é trazida à baila a imagem de magros faquires, deitados de costas nuas sobre cama de pregos. A quantidade de pregos justapostos distribui o peso do corpo, de modo que nenhum deles sofra pressão suficiente para perfurar a pele.

Estivessem eles deitados sobre um, dois ou poucos pregos, e estes penetrariam em seus corpos, causando lesão. Transposto para o caso presente, temos situação similar, em que os pregos são os pneus e a pele o asfalto.

Ou seja, toda vez que um caminhão suspende um dos seus eixos, o peso do veículo se concentra nos eixos rodantes, exercendo pressão maior sobre eles, causando maior dano ao asfalto.

Como é possível erguer o eixo, no momento em que o motorista desejar, resta inequívoco que estes veículos, que possuem o dispositivo de suspensão de eixo, são mais danosos ao pavimento do que os veículos que não contam com o este recurso.






O CASO: No edital da assembleia de uma entidade foi colocada, no primeiro item da pauta, a concessão de um desconto da taxa cobrada de seus membros e, no segundo item, depois da aprovação do desconto, este valor seria repassado para outro sindicato. Era um absurdo lógico, mas foi aprovado.

Foi proposta ação, já julgada em definitivo, que proibiu o tal repasse.

A seguir trecho da contestação.

NO PAÍS DO TAMERLÃO

“A proposta única colocada em votação, redução nas taxas de serviços e repasse desta redução para o SIND. foi aprovada”.

Este é o teratológico resumo de uma decisão que ofende o estatuto, a lei, a gramática, o raciocínio e a ética.

Afora a ilegalidade manifesta, cabe dizer que no plano lógico dar um desconto significa retirar do custo, suprimir, reduzir como dizia a convocação. Ora, feito o desconto, a redução está consumada e logo nada há a nada a ser repassado a quem quer que seja, mesmo que isso fosse legal.

Usando de uma comparação grosseira, seria como um ditador sanguinário determinar que fossem amputadas as mãos de um grupo de adversários e, após, estes mesmos deveriam bater palmas para o seu gesto...

Se estas fantasias bárbaras podem toleradas nas lendas do imaginário país do Tamerlão, o mesmo não pode ocorrer em Rio Grande, numa tarde de janeiro, em pleno século XXI.






O CASO: Uma empresa credora movia ação contra outra devedora e acusava esta de ter encerrado irregularmente suas atividades. Pois assim poderia alcançar os bens particulares dos sócios.

Porém ela omitia algo importante, é que antes houve um leilão dos equipamentos da fábrica da devedora e foi a mesma empresa credora quem arrematou todos os bens.

Sem equipamentos na fábrica ela não tinha como continuar as atividade e isso acarretou o inexorável encerramento das suas atividades.

Foi preciso denunciar este fato de forma clara.

VAMPIRISMO

Não houve qualquer esvaziamento de bens, houve isto sim uma voracidade executória da empresa R. , que devorou o patrimônio da executada e que, depois de arrematar todo o acervo industrial, vem alegar que a empresa teria sido extinta irregularmente...

Usando de uma metáfora, a empresa R. agiu como um vampiro, que suga todos os bens, todo o “sangue” da executada, e, depois, maliciosamente vem alegar que a executada está anêmica...

É contradição lógica, para dizer o mínimo.

A empresa R. arrematou todo o acervo industrial e, após, despejou a executada. Depois, vem alegar “dissolução irregular de sua vítima”...






O CASO: Um condomínio estava executando um morador que não pagava a taxa condominial há vários anos.

A garantia nesse tipo de processo é o próprio imóvel, mas, apenas para tumultuar, o réu ofereceu um suposto “lote de esmeraldas” para garantia do débito. Esse expediente é conhecido no foro, pois são pedras sem valor e a ação se eterniza discutindo a avaliação. A demora favorece o devedor.

Era preciso mostrar a malícia do réu.

CITANDO DRUMMOND

Morar em edifício é um permanente exercício de boa-fé, boa vizinhança e civilidade. Neste processo são cobradas as cotas condominiais não pagas desde 1998!

Não pagar suas quotas condominiais é fazer recair sobre os vizinhos os encargos que o inadimplente não satisfaz. Em tempos difíceis, como os de hoje, aumentar injustamente os encargos dos vizinhos é impor um ônus extremamente grave para os demais condôminos.

No contexto acima, o executado, condômino que não paga suas quotas, deve ser visto nos autos com as devidas reservas e cautelas, mais ainda quando usa de artifícios e chicanas para evitar o pagamento. Especialmente quando seu imóvel é de alto luxo, de cobertura, com área superior a dos demais apartamentos, e, até deveria participar com valor maior no rateio.

Lamentavelmente este é o caso dos autos, onde o réu se oculta para retardar e dificultar a ação da Justiça. É de um de nossos maiores poetas, Carlos Drummond de Andrade, a estrofe abaixo transcrita:

“No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra”

O réu teve o desplante de oferecer “esmeraldas” à penhora.

No meio forense, em especial nas varas da fazenda pública, já se tornou anedótico o expediente de oferecer “lotes de pedras preciosas” para supostamente “garantir” execuções fiscais.

O “truque mineral” está cotado abaixo dos “títulos da dívida pública do começo do século”, entre as formas criativas e pouco sérias de simular garantia de débito.

Em respeito a seus ex-vizinhos, que pagam as cotas do condomínio, o discípulo de Fernão Dias poderia contar a lenda das esmeraldas em outro lugar, e “garimpar” maneira mais correta de litigar.






ANTICONCEPCIONAL JURÍDICO

O CASO: Um grupo de empresas ia se reunir para discutir a criação de um sindicato.

Mas foram surpreendidos por medida judicial liminar que proibiu a realização da reunião. Isso que o Sindicato nem havia sido criado.

Foi preciso ingressar com recurso (agravo de instrumento) para anular a decisão e realizar a reunião que fora suspensa.

O agravo foi provido, ao final a ação foi extinta, foi feita a assembleia , o sindicato foi criado e está em pleno funcionamento.

INÉPCIA - AÇÃO SEM RÉU !!!

“ANTICONCEPCIONAL” JURÍDICO

O presente agravo contempla situação absolutamente insólita, trata-se de enfrentar despacho contra réu inexistente, pois foi requerida a ação contra um Sindicato que não existe, não tem endereço, não possui estatutos, não tem diretoria, não possui CNPJ, não tem registro no Ministério do Trabalho. Em suma, não existe o réu !

Não se trata pois sequer de ilegitimidade passiva, mas da inédita inexistência de polo passivo.

A ação não é dirigida contra a pessoa que coordena a criação do sindicato, nem contra as empresas que pretendem criá-lo, é sim contra o Sindicato (em formação), entre parênteses, como foi colocado na inicial verbis:

“Ação ordinária com pedido de antecipação de tutela contra o Sindicato dos (em formação)”...(sic)

A ação não é contra a criatura, nem contra o “feto”, mas contra o “projeto de feto”. Trata-se de um esdrúxulo caso de aborto jurídico, ou melhor ainda, de “anticoncepcional” jurídico. O Sindicato não existe. É flagrante a inépcia da inicial, devendo ser extinto o processo sem julgamento de mérito, nos termos do art. 295 do CPC.

Música: AND I LOVE HIM – Diana Krall



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