GANHANDO UM AMIGO
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O Reis não era chato. Diziam que ele falava difícil. Mas isso era pura manha.
Quando o chamavam de dos Reis, protestava na hora:
-"Reis. Reis, meu caro. Sem a contração da preposição com o artigo."
Fazia questão de usar o português de forma correta. Ou o vernáculo de maneira escorreita, como ele dizia. Tudo por malandragem.
- "Eu poderia te chamar de linda, usando uma ênclise, tu poderias agradecer-me, utilizando uma próclise. E, assim, a vida proporcionar-nos-ia, numa mesóclise, a oportunidade de uma aproximação e de vivermos momentos felizes."
Essas manifestações de conhecimento gramatical sempre tinham algum propósito. Em geral o objetivo era uma conquista amorosa. O que realmente impressionava era como esses truques funcionavam.
Um dia ele se engraçou com a Inês.
Ela tinha fama de não ser muito santinha e assumia publicamente a condição de namorada do Antenor, que era muito forte, grosso e pouco inteligente. Diziam que levava o namoro a sério.
O Reis iniciou o ataque enviando-lhe uma poesia de sua autoria :
" Tu és Inês, inexperiente.
O teu sorriso Inês, é inesquecível.
O que eu sinto Inês, é inexplicável.
O meu amor Inês, é inexcedível.
Uma paixão Inês, é inesgotável.
Mas teu coração Inês, é inescrutável".
O Queijinho leu a poesia e comentou :
-"Essa é boa . Chamar a peitudinha da Inês de inexperiente, só mesmo coisa desse poeta inescrupuloso. Brevemente ele vai falar que foi acolhido no seio da família , quando estiver navegando dentro do decote dela..."
Ao lhe advertirem que ela era namorada do Antenor, o Reis respondeu laconicamente : - "Isso é de somenos."
Passado um tempo a poesia funcionou e a coisa entre os dois evoluiu.
Até que numa noite, em frente ao bar que frequentávamos, o Antenor resolveu tomar satisfações.
Pegou o Reis pela lapela e indagou gritando :
-" Tu anda te fresqueando com a minha namorada ?"
Ele manteve a calma e disse não entender. Alegou que não sabia o que significava fresqueando, nem quem era a namorada dele.
-"Não te faz de bobo, tu sabe o que é se fresquear e também sabe que a minha namorada é a Inês. Agora te explica duma vez ou eu vou te encher de porrada."
-"Então me solta, que assim não dá para conversar."
Quando o Antenor largou o Reis, ele ajeitou o casaco e respondeu com a maior tranqüilidade:
-" De fato, conheço a moça. Tenho ciência do seu namoro. Mas podes ficar tranqüilo quanto à segunda questão. O que houve de mais sério entre nós foi o fato que fornicamos, ou seja, nos conhecemos apenas biblicamente."
Concluiu a justificativa com a maior cara de pau e assumindo um ar muito inocente, estendeu a mão a ele, dizendo: “Nada de brigas. Acabas de ganhar um amigo”.
O Antenor evidentemente não entendeu a explicação, mas não quis mostrar sua ignorância. Cumprimentou meio sem jeito e preferiu dar-se por satisfeito .
- "Bem, se é só isso, não vou te bater, mas desaparece da frente dela."
Antes que o Antenor comprasse um dicionário ou descobrisse o sentido das palavras, o Reis sumiu completamente, talvez tivesse se refugiado num esconderijo inexpugnável...
Música: YOU’VE GOT A FRIEND – Susan Wong
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