HAMLET NA VIRILHA

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Quando elas apareceram foi um acontecimento. A Renata não era boa, era ótima, parecia uma mulher saída daquelas páginas duplas da Playboy. Sua opulência a tornava quase inacessível. Junto com ela vieram duas irmãs, que ficavam um pouco ofuscadas pelo seu esplendor, mas cujo acesso não parecia tão restrito. Todas esnobavam os rapazes seus vizinhos. Saiam de casa e já tinha algum carro esperando.

O Niltinho encontrou a Suzete, uma das irmãs, que não o identificou como vizinho; ele estava de carro, convidou-a e saíram juntos. Era uma loirinha perfeita, que só não se destacava tanto, quando comparada com a irmã exuberante.

Ele saiu com ela algumas vezes. Mas não disse nada a ninguém.

Como o carro era do seu pai, que nem sempre o emprestava, acabou perdendo seu prestígio e não saíram mais. Terminou.

Só então, quando já tinha sido descartado, que veio dividir com os demais o seu dilema de proporções shakespearianas.

Entre suspiros e silêncios descreveu as maravilhas daqueles momentos. Ela era fogosa e o tratava por “meu bambino”. Então revelou que numa noite no motel, ao acender a luz do quarto, viu uma tatuagem na altura da virilha. Era apenas um nome de homem: Michel.

Entre perguntar e não perguntar surgiu o primeiro dilema, que espertamente deu lugar a uma leitura pelo método braile, o que provocou calafrios até nos ouvintes. Do arrepio para nova transa teria sido apenas um passo. Depois, deitados na cama, ele não resistiu, e fez a pergunta que o torturava, afinal, quem era o Michel?

Ela respondeu em voz baixa: “Meu namorado”.

Nunca mais se viram.

Desde então ele vivia dividido. Num momento se achava o bacana e desdenhava do Michel, a quem julgava ter passado para trás. Cessada a euforia, vinha a inveja e passava a achar que malandro mesmo era o Michel, cujo nome a mulher tatuou perto do seu paraíso perdido. E assim ele oscilava. Ora para cima, ora para baixo.

Os amigos opinavam e consolavam. Mas o fato é que ficara algumas vezes com ela e só lhe restou a história para contar. Enquanto isso talvez ela estivesse com o cara da tatuagem, portanto não poderia menosprezá-lo.

Assim Niltinho mergulhou na sua questão hamletiana; sem entender, como poderia sentir-se traído pela mulher alheia. Afinal quem era o corno?

O tempo passou e a vida seguiu. Mas até hoje, toda vez que encontra alguém da sua faixa etária e que se chama Michel, a dúvida volta a atormentá-lo.

Ser ou não ser? Permanece a questão.

Música: Ó MIO BAMBINO CARO – (Puccini) Giani Schicchi



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