LÓGICA ORNITOLÓGICA

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Os parentes diziam que ele era reservado, os menos próximos o achavam caladão, os mais distantes achavam que era um tipo estranho. O certo é que não se preocupava com a opinião dos outros e não incomodava ninguém. Gostava de seus passarinhos, cuidava das gaiolas e era capaz de ficar longo tempo admirando seus movimentos e ouvindo-os cantar.

Quando a família ligava a TV ele saía discretamente de perto, sem reclamar, não gostava de novelas ou futebol. Nunca ninguém se lembra de tê-lo visto sentado diante da televisão. Apreciava poesia e detestava gatos.

Relacionava-se socialmente com os colegas de trabalho, outros casais e alguns parentes, mas sua participação era sempre discreta.

Com o passar do tempo foi ficando mais retraído e menos sociável, a aposentadoria se aproximava e nem cogitava de buscar outra atividade.

Após a aposentadoria passou a ficar mais tempo em casa. A irmã comentou com a cunhada e os sobrinhos que estava achando o Romualdo cada vez mais misterioso, mas como mantinha os hábitos antigos, sua baixa tolerância com a televisão e o gosto pelos seus passarinhos, ninguém levou a sério o comentário.

O alerta soou quando numa manhã ele não tomou o café, apenas colocou um prato com alpiste na mesa, remexeu um pouco e ficou encolhido num canto da cozinha. As gaiolas estavam abertas e vazias. A irmã ao ver a cena, assustou-se e chamou a cunhada, tentaram falar com ele e não tiveram sucesso. Seguia calado, encolhido, agachado num banquinho de cozinha, abraçando os joelhos.

Os filhos foram chamados. Tentaram provocá-lo, fizeram perguntas e ele distante e quieto, olhando fixamente para a janela. Formou-se uma espécie de conselho familiar; telefonaram para um médico e, enquanto este não chegava, discutiam o que teria acontecido. Chegaram a cogitar a hipótese de internação.

Então aconteceu o que, até hoje, ninguém consegue explicar.

De um momento para outro, saiu de seu lugar, foi à janela e saiu voando, como se fosse um pássaro, até desaparecer entre os edifícios da vizinhança.

Música: LOVIN’ YOU Minnie Riperton



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