MEUS CAROS AMIGOS

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Parece letra de música, mas quando o porteiro chamou e meu nome falou, quase perdi o fôlego, ao ver o envelope com a caligrafia do Zé Artur, que tinha morrido há cinco dias. Abri tremendo, havia uma carta com um título: Não é questão de vida ou morte, é de vida e vida.

Fui lendo perplexo e emocionado. O texto era curto. Sabia que tinha poucos dias de vida, mas antes de morrer resolvera escrever para mim, para que essa carta chegasse às minhas mãos poucos dias após seu falecimento; pedia para que fosse o portador da mensagem. Queria que procurasse o nosso grupo de amigos, de mesa de bar, de farras e de tantas alegrias e mostrasse a eles, com seu pedido e instruções.

Ao longo de sua vida o nosso convívio fora motivo permanente de sua felicidade e acreditava que também da nossa. Marcado por risadas e até brincadeiras ao estilo do filme italiano “Meus caros amigos”. Não queria que sua partida quebrasse aquele encanto ou instaurasse um ambiente triste e de melancolia. Sabia que nós iríamos homenageá-lo, mas queria que fosse do modo mais coerente com a nossa convivência. Por isso pedia que não houvesse lágrimas, pois não combinava conosco.

Junto com a carta estavam dois cartões de crédito dele, com as respectivas senhas. “Quero que vivam momentos Mastercard, mas por minha conta. Façam a maior farra do mundo em minha homenagem. Ficarei feliz, quero ser lembrado desse jeito”.

Depois de superado o impacto da emoção, parti para atender o seu último desejo. Reuni o pessoal, mostrei a carta e contei tudo; eles entenderam e começaram os planos para a grande comemoração. Alguém falou na viúva e logo foi interrompido por uma voz que disse: tem que ser Clicquot. Houve plena adesão para sua ideia original e não se pensou em fazer economia.

Foram todos na missa de sétimo dia à tardinha, mas depois partiram discretamente rumo ao paganismo. Ele teve muitos amigos e veio muita gente naquela homenagem póstuma tão especial. A gostosa da Rute fez graça com sua idade e apareceu fantasiada de “Coroa de flores”, com um colar havaiano e uma faixa escrita: Saudades eternas. Além das mulheres conhecidas foram providenciadas algumas mais jovens e desconhecidas, devidamente remuneradas para um conhecimento mais íntimo. Foi uma noitada memorável, no padrão de “tudo do bom e do melhor” e correndo por conta dos cartões do Zé Artur.

No meio da noite, talvez atendendo outro pedido dele, chegaram torpedos, vindos do seu celular com a mensagem: Quem tem amigos como vocês, não morre nunca. Os brindes se sucediam. Qualquer copo cheio era pretexto para fazer “vivas” ao amigo morto. Foi uma festa inesquecível, grande homenagem.

Já era manhã quando o Miguel chegou ao prédio dele, com purpurina no cabelo e todo descomposto. Ante o olhar espantado do porteiro, riu e disse: “Se eu contar tu nem vais acreditar, mas estou voltando duma missa de sétimo dia”.

Música: AMICI MIEI - trilha sonora – Carlo Rustichelli



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