MUDANÇA

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Tinha que entregar o apartamento e providenciar a mudança. Foi tudo muito rápido e nem teve tempo de alugar outro, teria que levar suas coisas para um depósito. Tratou com o sujeito que fazia fretes, que começou o trabalho com dois auxiliares. Um problema de vazamento o obrigou a ir até a ferragem, para comprar uma torneira nova e entregar o imóvel sem esse problema.

Teve dificuldade em encontrar o que precisava e demorou algum tempo; quando voltou, suas coisas já estavam todas na camioneta estacionada na frente do prédio. Parou no outro lado da calçada e ficou olhando. Ali dentro estava tudo que era seu. Um refrigerador com uma mancha escorrida de ferrugem do lado, os estofados, a cama, o colchão, suas roupas, discos, livros, quadros, tudo exposto como se estivesse nu à luz do dia em plena rua. Aquilo lhe fez mal. Não conseguia andar. Ficou olhando para seus trastes e pensando.

Uma vida inteira estava ali constrangidamente empilhada na carroceria de um veículo. Qual o sentido de ter acumulado aquelas coisas? Antes achava que tinham algum valor, mas agora parecia tão pouco. Um estranho sentimento foi tomando conta de seu pensamento, quando foi interrompido pelo responsável pela mudança, que o chamou.

- “Então chefia, encontrou a torneira? Já estamos prontos, tá tudo aqui”.

Foi calmamente se aproximando do motorista, entregou a torneira e perguntou se também poderia fazer a substituição. Ele disse que sim, mas alertou que iria custar mais 150 reais. Então veio a resposta mais surpreendente.

-“Não tem problema. Pago o conserto e o carreto com as coisas que estão aí. Não precisa mais levar para o endereço que dei, podes ficar com tudo. Nem quero mais falar sobre isso”.

O outro custou a acreditar, ficou em dúvida. Questionou, pois eram todos os objetos pessoais dele, que valiam bem mais que o que era devido. Insistiu para que ele confirmasse a inusitada oferta.

“É isso mesmo. Não quero mais nada. A gente nasce sem isso, quando morre não leva coisa alguma. Agora não é nascimento e nem preciso esperar a morte. Resolvi renascer. Leva que é teu. Estou zerando o odômetro”.

Despediu-se do motorista com um aperto de mão e foi se afastando. Ainda voltou-se uma vez, lançou um derradeiro olhar para a mudança abandonada e retomou sua caminhada com um sorriso discreto e diferente no rosto.

Música – I DON’T WANT TO TALK ABOUT IT – Rod Stewart & Amy Belle



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