NÃO ERA IPANEMA

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Não tinha mar, nem era Ipanema. Mas curtíamos as garotas que vinham e passavam.

Uma delas de cabelo crespo e escuro, cara fechada, que nunca olhava para nós, acabou despertando a atenção. O primeiro motivo era sua formosura, mas o segundo era o mais intrigante: a cor dos seus lábios.

A boca, que não nos sorria, era bonita e desenhada com lábios escuros num tom levemente arroxeado, quase marrom. O tema foi posto na mesa, instaurou-se o debate se era batom ou cor natural.

Cada vez que passava a questão voltava a ser tratada, consolidando-se com o tempo a certeza que ela não usava batom. Desfeita esta dúvida, permanecia a outra, que cor era aquela?

Houve até quem falasse em problema cardíaco, que deixa os lábios em tom violeta, mas os corações que adoeciam eram os nossos e não o dela... Foi quando o Chiclete lançou a teoria que a cor suavemente marrom dos lábios deveria ser a mesma do bico dos seios. Fez uma pausa solene e concluiu: Ela deve ter os mamilos de chocolate.

Aquela criativa guloseima erótica foi colocada na mesa para o delírio da nossa imaginação. Era uma doce mistura da inocência do chocolate da infância transformado no desejo adulto e sensual de seus ambicionados peitinhos. Todos ficaram tão absortos em seus devaneios lúbricos, que ninguém notou que o Celsinho tinha sumido. Assim como não repararam que ele costumava desaparecer, quando ela passava. Só algum tempo depois foi entendida a razão do seu reiterado sumiço. Ele não queria que ela o visse conosco.

Mais tarde ficamos sabendo que estavam namorando. A notícia causou alvoroço. Ele tornara-se esquivo e cada vez menos presente junto ao grupo dos seus amigos.

A curiosidade geral era enorme, mas ninguém conseguia falar com ele e dissipar a dúvida sobre a verdadeira cor, não mais de seus lábios, mas da ponta de seus seios.

Num final de tarde de verão ele reapareceu e assim surgiu a ocasião de resolver aquele enigma transcendental. Com muito jeito, para não melindrar sua intimidade, foram feitas os questionamentos iniciais de caráter mais genérico. Encastelado na defesa ia respondendo de forma evasiva, andando em zigue-zague entre sua privacidade e a lealdade aos amigos. Até que alguém fez a pergunta tão esperada:
Afinal, qual era a cor dos mamilos?
Ele hesitou um pouco, tomou ar, concentrou-se, olhou para baixo como quem vai bater um pênalti e finalmente disse: “Lamento decepcionar vocês, mas não posso responder”...
Fez outra pausa e concluiu:
“Sou daltônico”.

Música: GAROTA DE IPANEMA – Stan Getz e João Gilberto



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