NASCEU ESTER-MARIA

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Saiu de casa apressado, nem tomou o café. Entrou no carro e foi para a estrada. Tinha uma audiência fora da cidade e não poderia se atrasar. Era uma viagem de 200 km.

Na noite anterior estava tenso, a mulher queixou-se que ele colocava o trabalho acima de tudo, o diálogo não foi legal. Pensando bem, tinha sido um pouco áspero com ela.

Na estrada com pouco movimento ficou pensando que ela já devia estar acordando e talvez pensando onde ele deveria estar. Lembrou que talvez tivesse sido legal deixar um bilhete sugerindo um jantar ou cinema na sua volta, mas ficou só na ideia.

Olhou uma placa na estrada, ainda faltavam 80 km para o destino. Enquanto pensava na esposa, viu um casal fazendo sinal para que ele parasse. Eram muito jovens e pobres, ela parecia índia e estava grávida, ele quase um menino. Apontavam assustados para a barriga dela, querendo mostrar que a criança estava para nascer.

Parou instintivamente, não poderia se atrasar, mas perguntou como podia ajudar. Explicaram que o hospital ficava na cidade próxima, distante uns 15 km da estrada. Pediu que entrassem rápido e sentaram no banco traseiro. Aquele desvio poderia fazer com que perdesse a audiência, que era importante, mas agora só tentava acelerar para chegar logo. Quase não falaram durante o trajeto.

Foi preciso que descesse do carro para que ela fosse atendida e levada para o parto, não sabe o tempo que se passou. Quando olhou para o relógio faltava meia hora para a audiência. Não chegaria a tempo. Naquela época ainda não havia celular, usou o telefone do hospital e ligou para o foro. Falou com o escrivão, contou o ocorrido e pediu que ele falasse com o Juiz, para retardar o início. Não pode aguardar a resposta, pois foi chamado pela enfermeira. Era para avisá-lo que nascera uma menina e o pai queria lhe agradecer. Cumprimentou o rapazote e logo saiu correndo para seu carro.

Enquanto dirigia em alta velocidade, ia pensando nos fatos de ontem e de hoje, preocupado em atender o seu compromisso profissional. Chegou com 40 minutos de atraso. Estava pálido e a camisa molhada de suor.

Entrou na sala de audiências, era uma juíza que estava dirigindo os trabalhos. Ao vê-lo ela fez um gesto para que aguardasse e disse: “Fique tranquilo doutor, informei ao advogado da outra parte que a audiência de vocês será realizada depois dessa, que estamos fazendo. Quando terminar vai começar a sua”.

As pernas fraquejaram, mas conseguiu agradecer, pedir licença e saiu da sala. Foi ao cartório, disse obrigado para o escrivão e pediu um copo d’água.

Quando foi chamado para o início do ato judicial, antes das formalidades, já calmo pediu a palavra e falou apenas: “Muito obrigado”. E completou: “É uma menina”.

No retorno passou no hospital, para ver a criança. A mãe lhe agradeceu com lágrimas nos olhos, o pai disse que gostariam que ele desse o nome à menina. Relutou um pouco, mas ele insistiu. Então olhou a ata da audiência em sua mão, lembrou-se da esposa que o aguardava em casa. E resolveu sugerir um nome composto, usando o de sua mulher e da juíza. O jovem pai gostou e pediu para que ele escrevesse num papel. Assim nasceu Ester Maria.

Música – BY THE TIME I GET TO PHOENIX – Gary Puckett & The Union Gap



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