Noite em Varsóvia

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Os relatos da família eram muito tristes, por isso resistiu à ideia de visitar a terra dos antepassados. Porém o fim do comunismo e a abertura ao turismo, fez com que mudasse de opinião e viajou com a esposa até a Polônia.

Instalou-se no hotel, após a cansativa viagem. Estava anoitecendo e convidou a mulher para dar uma volta pelas redondezas, para “espichar as pernas e reconhecer o terreno”, como dissera.

A luz amarelada das ruas e praças dava uma enganosa sensação visual, de que não estaria tão frio; mas à medida que iam caminhando pelas ruas quase desertas, a sensação térmica, agravada por um ventinho constante, era de enregelar.

Aos poucos uma chuvinha miúda foi se transformando em neve, tornando mais bonita a paisagem dos prédios antigos, emergindo com os contornos menos precisos em razão dos flocos brancos que, refletindo a luz amarela, transformavam-se em gotinhas douradas.

O frio era real e quase palpável, infiltrando-se pelas roupas e dizendo que era hora de encerrar o espetáculo ou, pelo menos, dos espectadores irem embora. Então, ainda extasiados por aquela beleza visual, apressaram os passos em direção do hotel.

Passaram pela porta giratória e a calefação recebeu-os como um abraço carinhoso e acolhedor. Entraram no bar que ficava no saguão, onde havia uma lareira acesa que aumentava a sensação de bem estar.

Enquanto tiravam os casacos e mantas, onde os remanescentes pequenos pedaços de neve iam se transformando em água, aproximou-se um garçom oferecendo, como cortesia, dois copinhos de vodka; que foram tomados em goles rápidos, como é o costume local.

Acomodaram-se nas cadeiras e só então exploraram o ambiente. O bar estava quase vazio, num canto havia um piano, diante do qual um pianista já velho, era presença ignorada.

Notando a chegada do casal, o pianista sorriu. Tinha o rosto fino, nariz comprido, olhos cinzentos e vestia um casaco folgado sobre o corpo magro. A imagem do pianista lhe passou a impressão de alguém familiar, como se fosse um personagem distante da sua infância. Assim, respondeu também com um sorriso, porém largo e intenso como quem tivesse reencontrado um parente querido.

Estimulado pelo gesto amável, o pianista debruçou-se no teclado e quebrou o silêncio tocando apaixonadamente a “Polonaise”, cujos acordes enchiam o ambiente, como se fosse um concerto.

A música parece que o enfeitiçou, ficou ouvindo com a máxima atenção e, após algum tempo, começou a chorar. Não deve ter sido por um motivo isolado, mas talvez em razão da soma de vários fatores: o cansaço da viagem, a emoção da paisagem noturna, a mudança do frio para o calor, o efeito da vodka e aquela figura do pianista, que lhe remetia para emotivas evocações do seu passado, intensificada pela força da música.

Das lágrimas passou aos soluços e o pranto ficou intenso.

Após o acorde final dirigiu-se ao pianista surpreso diante das lágrimas que provocara, abraçou-o com força, chorando como se tivesse encontrado um parente que ressuscitara, enfiou-lhe no bolso uma gorjeta de vinte euros. Enxugou o rosto com a manga do blusão e recolheu-se para o quarto, sem sequer jantar.

A mulher acompanhou toda cena em silêncio respeitoso, nada disse ou perguntou. Nunca voltou ao tema, o máximo que se permite, é comentar com os amigos, que o marido se emociona muito quando ouve Chopin.

MÚSICA: POLONAISE opus 53 - Chopin



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