O LÁPIS NO AR

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Na sala de aula o professor anunciava para sua plateia de alunos que ia tirar uma arma poderosa do bolso. Nós, de olhos bem abertos, acompanhávamos a cena. Ele enfiava a mão no bolso do paletó e tirava um lápis, que era o que usávamos para escrever.

Então, aproveitando a luz de um raio de sol que entrava pela janela, proporcionando uma iluminação cênica para seu gesto, segurava o lápis no ar e dizia:

“Com este simples lápis e uma folha para escrever, vocês poderão ter uma arma poderosíssima, de uma força quase insuperável”.

Nós ainda crianças ficamos decepcionados, pois esperávamos um punhal ou uma pistola automática e não um instrumento de escrita. Mas, mantendo a mesma posição, seguia imperturbável falando sobre a importância de dominar o idioma, expressar-se corretamente, desenvolver uma ideia e com isso usar o poder da inteligência para vencer na vida.

Naquele tempo era difícil superar a frustração de contarmos com um arsenal tão pífio para uma guerra desconhecida e supostamente difícil. A abstração, simbolizada pelo lápis na mão do professor, era quase incompreensível para a gurizada inquieta, mas o apelo para a imaginação era uma semente que estava sendo colocada no fértil terreno do nosso cérebro.

O tempo passou. Aquela imagem muitas vezes voltou à lembrança, com um doce sabor de reminiscência e o prazer de um aprendizado tardio, que foi desprezado à época.

Numa manhã de outono vinha dirigindo, olhei para o lado e vi o meu professor do ginásio. Levei um choque. Ele andava curvado e com o passo trôpego, acompanhado de uma moça, entrando numa farmácia. Instintivamente parei na vaga dos clientes para vê-lo melhor, mas não consegui ver direito. Lembrei-me que no carro tinha um lápis de propaganda, que ganhara recentemente.

Desci do carro, entrei na farmácia, pedi licença para sua acompanhante e, mostrando o lápis, disse que tinha sido seu aluno no ginásio e nunca esqueci sua lição sobre a força da escrita e do pensamento. Ele ficou surpreso, sem entender bem o que estava acontecendo, não se lembrava de mim entre tantos alunos que teve. Ofereci-lhe o lápis, ficou pensativo olhando para ele durante algum tempo, mas não quis aceitar. Perguntou meu nome e, com os olhos cheios d’água, disse apenas: “Obrigado”.

Abracei-o comprimindo lateralmente os braços e voltei para o carro, confuso e emocionado.

Hoje pela manhã, enquanto escrevia este texto com o lápis moderno, que é o computador, uma nesga de sol refletiu na tela, ofuscando meu olhar. Baixei a persiana para obter sombra, mas a névoa persistia; então percebi que eram meus olhos que estavam marejados embaçando minha visão. Baixei as pálpebras e mentalmente voltei para a cena da aula, pensei no professor, sorri sozinho e repeti o que ele disse: “Obrigado”.

Música - DON’T LET THE SUN CATCH YOU CRYING – Gerry & The Pacemakers



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