O PAPAGAIO JURÍDICO

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O casamento foi acumulando tempo e ódio recíproco. Os outrora apaixonados tinham se transformado em inimigos íntimos. A guerra doméstica chegou ao limite e a separação foi inevitável.

Não tinham filhos, o que facilitava um pouco, mas ao longo do casamento além da malquerença adquiriram bens, que precisavam ser divididos.

A ação era movida pelo rancor. O importante não era o que cada qual ficasse para si, mas o quanto isso poderia ser prejudicial ao outro. Era uma verdadeira insânia, num campeonato de mesquinhez e maldade.

Os advogados eram os únicos sensatos nessa competição de animosidade, pois tentavam demover os clientes da opção do litígio exacerbado e entre si buscavam pontos de consenso, para permitir o encerramento do processo. Assim, superados todos os obstáculos de ordem racional e até irracional, a partilha estava pronta, os bens divididos e só faltava a formalização para o fim do processo. Eis que surge um elemento que, até então, não havia sido mencionado. O Pepe.

Era um papagaio que ganharam de um amigo comum, quando tinham ainda amigos comuns. Ele era dos dois e não havia como dividir. O impasse estava criado.

Mais uma vez os advogados usaram de todos os argumentos para uma solução. O casal não transigia um milímetro sequer, cada qual queria para si o Pepe. A situação lembrava o verso de Drummond, mas em vez de pedra tinha um papagaio no caminho e o processo não avançava mais.

Não bastasse isso, entre outras divergências havia a futebolística, ela era torcedora do Internacional e ele era do Grêmio. Ela sustentava que o papagaio falava e gritava “coloraaaadooo”, ele confirmava a oralidade da ave, mas sustentava que seu cântico era “grêêêêmio”.

Essa particularidade animou os advogados e depois de algumas reuniões surgiu uma luz no fim do túnel. Com muita insistência convenceram os clientes que a decisão de quem ficaria com o papagaio, só dependeria do próprio Pepe, pela sua escolha clubística. Porém, como nenhuma solução é perfeita, houve a exigência dos clientes que esta manifestação do bicho fosse feita diante do juiz. Os advogados pensaram em desistir e até renunciar aos mandatos, mas como o processo estava quase no final e o patrimônio era interessante, decidiram uma última cartada e foram falar com o julgador.

Narraram ao magistrado todo histórico e como eram velhos advogados e com credibilidade, conseguiram que ele ficasse penalizado com o esforço conciliatório dos procuradores e, por grande deferência, acatasse o pedido. Alertando que o inusitado poderia acarretar a ridicularização dos envolvidos, foi tudo tratado em sigilo e sob condições antes estabelecidas.

As petições deveriam estar prontas e assinadas pelas partes e advogados encerrando o processo antes da decisão sobre o destino do Pepe, para só depois tratarem da questão aviária. Para não chamar a atenção o papagaio deveria ser conduzido numa gaiola dentro de uma bolsa.

Assim, cumprida a etapa formal e colhidas as assinaturas, foi tirada a gaiola. O Pepe, estranhando aquele ambiente, ficou mudo como uma coruja. O constrangimento era grande e o julgador estava impaciente, quando alguém teve a ideia de mostrar no computador alguma imagem de futebol, para que o bicho abrisse o bico e soltasse a voz.

Naquele momento o grenal matrimonial viveu um clima de suspense absoluto, o Pepe olhava para o monitor vendo cenas de um jogo, e as pessoas a sua volta acompanhavam suas reações. Foi então que sacudiu as asas e imitando aquelas transmissões da Globo nos jogos da seleção, gritou com sua língua engrolada:
“Brasiiiiiiillll”!

O juiz, que era bem humorado, fingiu ter perdido a paciência e bateu na mesa dizendo:

O casal está separado e a partilha homologada”.

Levantou-se, pegou a gaiola, foi até a janela abriu a portinhola e concluiu:

“Concedo habeas corpus para este papagaio”
e o Pepe saiu voando...

Música – LOVES IN THE AIR – John Paul Young



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