O PRIMEIRO, O ÚLTIMO E TUDO MAIS

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O Miguel não era apenas tímido, mas quase a encarnação da timidez. Na escola, se pudesse, responderia ausente na hora da chamada, para que ignorassem sua presença. Magro e franzino cresceu assim discreto e esquivo, muitas vezes até esqueciam se ele estava ou não em algum grupo.

Seu esforço de ficar imperceptível caiu por terra, quando apareceu com sua instrutora da academia de ginástica. Ele resolvera matricular-se e desenvolver o corpo, contando com a orientação dela e ingestão de suprimentos alimentares. Pouco se viu de ganhos de massa muscular nele, porém ela já estava numa zona limítrofe da natureza.

O que impressionava era seu corpo. Seus braços eram mais grossos que as pernas do Miguel. O tórax parecia daqueles antigos carregadores de mudança e o bíceps, que antigamente se chamava de muque, era de estourar manga de camisa.

Quando soubemos que o nome dela era Ana, alguém não resistiu e tacou-lhe o complemento perfeito: bolizante. Era a verdadeira Ana Bolizante.

O que ninguém poderia imaginar, acabou acontecendo. Passaram a namorar.

O casal era muito estranho e não se largavam. A paixão mostrou uma faceta ignorada do Miguel: era muito ciumento.

Ela que adorava exibir o seu corpo “bombado” atraía os olhares de todos e ele morria de ciúmes e ficava muito irritado.

De surpresa em surpresa surgiu outra jamais pensada. Ele não só era totalmente possessivo, como também a surrava nas suas crises de ciumeira.

Houve quem duvidasse dessas surras, até que o Ari foi chamado pelo Miguel na delegacia, para intervir e ver se resolvia um problema, já que era amigo do escrivão.

Na volta nos encontrou e fez o insólito relato:

Ele realmente tinha batido nela, que orientada por uma prima foi na delegacia registrar a ocorrência. O Miguel, sabendo dos rigores da nova legislação, sentiu que poderia ser enquadrado na lei Maria da Penha e por isso pediu o auxílio do seu amigo.

Quando chegou à delegacia, já estavam reconciliados. Ela tinha se arrependido e queria retirar a queixa. O Ari, que nunca tinha falado com ela, ficou perplexo com os efeitos dos esteroides na sua voz, que era rouca e forte. E, junto com o escrivão, presenciou a cena romântica e inesquecível.

Aquela morenona, com o corpanzil incomum, estava melosa e romântica, envolveu completamente o Miguel num abraço, soluçando e chorando. Depois pigarreou e disse apaixonadamente com seu vozeirão, que lembrava o Barry White:

“Você é o homem da minha vida. O primeiro, o último, tudo para mim”…

Música – THE FIRST, THE LAST, MY EVERITHING – Barry White



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