o PRÓXIMO

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“O próximo”.

Passaram-se alguns segundos e ouviu-se a mesma voz:

“O próximo, ficha 54”.

Então a senhora de cabelos brancos levantou-se do banco e dirigiu-se ao balcão, levando sua ficha na mão, para ser atendida.

A funcionária pedia os documentos, que lhe iam sendo entregues, para marcar o exame. Até que surgiu o impasse, estava faltando a carteira do serviço médico, indispensável para confirmar o agendamento.

A velhinha começou a procurar num saco plástico, onde trazia seus papéis. Seus dedos magros buscavam a carteira dentro daquele saco, que algum dia já fora translúcido, mas agora, de tanto manuseio, era opaco e frágil.

A busca inexitosa era perceptível na expressão de desalento, que tomava conta de seu rosto enrugado. A frase de que, sem a carteirinha não era possível confirmar o exame, equivalia a uma frustração absoluta e indicava que teria que voltar outro dia e começar tudo outra vez. O ar de súplica, que emergia de seus olhos miúdos, pedia socorro à funcionária do balcão.

“A senhora não tem sua carteira de identidade?”

A mão trêmula alcançou o documento para a funcionária, que disse:

“Aguarde um pouco, que vou até o meu colega, que tem o computador que acessa o sistema, e, com o número da RG, pode ser que ele consiga obter os dados da sua carteira do serviço médico”.

Ela não entendeu bem o que a funcionária dizia, mas percebia que era algo para ajudá-la e sorriu agradecendo.

Passaram-se alguns minutos e a atendente voltou, também sorrindo, o que significava sucesso na sua missão. Disse que tudo dera certo e conseguira os dados necessários, imprimiu a requisição, deu as instruções de como deveria proceder e entregou para a velhinha, que apenas conseguiu dizer:

“Muito obrigado minha filha”.

Passou-se uma semana.

A funcionária chamou a próxima ficha, quando viu a velhinha aproximar-se do balcão. Ela tirara uma ficha para ser atendida e trazia na mão um vasinho de plástico com uma violeta plantada, enrolada em papel colorido e amarrada com uma fitinha rosa de material sintético.

“Não preciso ser atendida, já fiz os exames” e continuou:

“Vim só para agradecer sua ajuda e lhe trazer essa florzinha”, estendendo o braço e colocando sobre o balcão.

“Ora, não precisava, muito obrigada” respondeu emocionada a funcionária.

A velhinha sorriu, seus olhos pequenos brilhavam, e disse apenas: “elas gostam de luz”, apontando para o vasinho e retirando-se para não atrapalhar o serviço.

Passaram-se meses, o vasinho que era preto começava a ficar acinzentado, acomodado no exíguo espaço ao lado do balcão de fórmica, iluminado pela luz artificial da repartição pública.

Porém, de dentro dele a vida teimava em nascer, e emergiam duas pequenas violetas roxas, como um aceno, um instante de natureza na impessoalidade fria daquele local.

A velhinha não apareceu mais.

As flores seguem discretas no seu cantinho, como testemunhas mudas, porém eloquentes no seu significado, de que nas pequenas coisas, nos pequenos gestos, podemos tornar a vida melhor.

MÚSICA: SOMEWHERE IN TIME & RACHMANINOFF RAPSHODY ON A THEME BY PAGANINI VAR.23



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