BEM-VINDO AO LIVRO NA NUVEM
Será que alguém pensou algum dia ler um livro que está numa nuvem?
Imaginou ler o livro e ao mesmo tempo ouvir música que tem pertinência com o texto?
Pois é, esse momento chegou. E é um presente para você.
Em 1995 publiquei “O Sapato do Pirata” reunindo crônicas de humor. Desde então fiquei muito envolvido com a atividade profissional e fiz mais petições do que crônicas. Escrevi também alguns textos, que enviava pela internet a amigos, que depois davam sua opinião.
Um dia mostrei a um amigo um texto que fazia referência a uma música, que completava o seu sentido. Ele não conhecia a música, ou, não a identificava pelo nome.
Foi aí que surgiu a ideia. Coloquei a música, e ele releu o texto ouvindo-a. Terminou, olhou para mim e disse: “Que legal”! Então começou a nascer esse livro não convencional.
São crônicas e contos com música, que permitem ao leitor/ouvinte, desfrutar dessa novidade interativa. Ele estará numa espécie de prateleira virtual na qual o leitor acessa pela internet.
Que me desculpe o Gutenberg, mas aí está o livro na nuvem...
Usando a terminologia moderna, o livro ficará na nuvem e os leitores terão acesso ao mesmo, bastando digitar www.olivronanuvem.com.br no computador, que lhe remeterá para a página inicial.
Escolha no índice os títulos de sua preferência e comece a curtir essa novidade. Clique no botão do som para ouvir a música enquanto lê.
Para ouvir o som clique no botão ao lado. |
Ao todo são mais de 80 textos. Como dificilmente alguém lê tantos textos de uma vez, pode ir lendo aos poucos curtindo cada um e compartilhar com seus amigos.
Ao lançar este livro Na nuvem acho que acabei me tornando o primeiro nefelibata literário...
Em 2015, atendendo solicitação de amigos, lancei o livro impresso com o título DESCENDO DA NUVEM, contendo algumas das crônicas que estão neste livro virtual, que você está acessando.
O prefácio do livro em papel foi escrito pelo professor Sergius Gonzaga e é abaixo reproduzido:
SOBRE A CRÔNICA E UM ÓTIMO CRONISTA
Sergius Gonzaga*
Praticada há mais de século e meio na imprensa brasileira, a crônica tornou-se, sobremodo a partir das décadas de 1950 e 1960, o gênero literário mais festejado e consumido pelo público que promoveu aquelas páginas, frequentemente colocadas nos espaços menos nobres dos jornais, em páginas preferenciais de leitura. Produzida sob a pressão das circunstâncias, a crônica pela regularidade com que aparece termina por constituir um sentimento de familiaridade entre quem as escreve e quem as lê, forjando uma aproximação cúmplice, raríssima em outros gêneros literários.
Há um sem-número de fatores que contribuíram para o esmagador triunfo da crônica, a começar pelo objeto sobre o qual normalmente o cronista se debruça, a saber, a realidade objetiva, esta realidade cotidiana, imediata, em que todos estamos inseridos e em que vivemos, ao sabor do tumulto dos dias e dos lances imprevisíveis do acaso, sem muito tempo para refletir a respeito da multiplicidade de fatos corriqueiros que nos envolvem e tendem a embotar os sentidos e o olhar, automatizando nossas reações e nossa consciência. É desta matéria difusa, mas de fácil reconhecimento, que o cronista extrai os motivos e os enredos de seus textos, dando-nos, por vezes, a impressão de que estamos vendo pela primeira vez o que estava à nossa frente ou ao nosso lado, e oferecendo-nos imagens cheias de vida para as quais permanecíamos cegos até o momento da leitura.
Os bons praticantes do gênero são aqueles que captam no fato miúdo, no acontecimento aparentemente insípido, na cena corriqueira, na notícia em que ninguém prestou atenção, algo de relevante, de intenso, de vibrátil, seja a beleza do instante, o humor oculto das situações, ou ainda os aspectos singulares e surpreendentes da condição humana. Para tanto, esses escritores do “gênero menor” (será mesmo?), que é a crônica, valem-se de um comentário breve e despretensioso sobre algum fato prosaico, usando ora a veia lírica, ora a irônica. Muitas vezes, manifestando o gosto pela história curta, pelo diálogo ágil, pela narrativa de desfecho imprevisto, pela unidade de ação, tempo e espaço, eles acabam aproximando a crônica do conto, gerando uma confusão teórica: afinal, o que pertence a um gênero e não a outro? Sob certo ângulo, o estabelecimento de uma fronteira conceitual entre ambas as espécies literárias é desnecessário, pois, parafraseando Mário de Andrade, crônica é tudo aquilo que o autor chama de crônica.
Frise-se também que a relação entre jornalismo e literatura leva o cronista a um contínuo problema. Para constituir um objeto artístico, seu comentário ou sua narrativa sobre o cotidiano precisa apresentar uma linguagem que contenha algo mais do que a mera informação. Ou seja, precisa de uma linguagem menos denotativa e mais pessoal, com traços de subjetividade, emotividade e/ou ironia. Isso, contudo, não significa uma elaboração sofisticada ou extremamente inventiva. Significa, isso sim, que o estilo deve revestir-se de uma forma persuasiva e elegante, revelando plena naturalidade, e que a língua escrita deve se aproximar da fala, sem cair na vulgaridade ou no lugar-comum.
O CASO LÉO IOLOVITCH
Quem ler (ou quem já leu isoladamente os textos na internet) o Descendo da nuvem, de Léo Iolovitch, perceberá o óbvio: todas as características acima enunciadas e resumidas ajustam-se perfeitamente aos excelentes textos que este escritor bissexto vem produzindo e dando a conhecer nos últimos tempos. Da estima pelo inusitado (Aconteceu na Cidade Baixa, Eu e eu) à investida na transfiguração poética da realidade (Voando, Guarulhos-Casablanca, Nasceu Ester Maria); da crítica dos costumes (Che Guevara e a bundinha da Gisele Bündchen, Rendez-vous de normalistas) à crítica política (Picaretagem); da observação sutil (Amigo do peito, O próximo) à nostalgia (Uma decisão inteligente, Advogados que gostam de escrever, A melhor época de nossas vidas); do humor não isento de alguma ternura e alegria de viver (Decisão salomônica, O tatuzinho) ao humor escarrado (Columbófila Magnificência, O homem que matou o dragão); da crônica clássica (Separatismo já, Meus caros amigos) à crônica-conto (Noite em Varsóvia, O último tango, O primeiro, o último e tudo mais); em todas as crônicas citadas e nas demais que compõem a obra descobrimos a presença de uma tradição, nascida com os românticos e tornada magistral, em meados do século XX, por meio dos livros de Rubem Braga, Antônio Maria, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e, sobretudo, Nelson Rodrigues. À referida tradição pertencem os textos do autor de Descendo da nuvem. É na extraordinária força expressiva dos velhos mestres que parecem residir os modelos da escrita de Iolovitch, desde a linguagem rápida e precisa, o tom de conversa falsamente banal, até as maneiras de observar o mundo concreto para nele buscar o insólito, o comovente e o risível.
No entanto, algo de extremamente inovador infiltrou-se na construção literária do escritor porto-alegrense. Um elemento desconhecido dos cronistas do passado, que elevaram o gênero a alturas talvez inexcedíveis, um elemento originário da impactante revolução tecnológica do século XXI e que veio garantir singularidade ao presente livro.
Em 1993, escrevi um pequeno ensaio afirmando que “a crônica – por decorrer das necessidades dos jornais e das revistas – não era praticada fora das salas de redação, desconhecendo-se escritores importantes que a tivessem composto apenas para a publicação em livro, ao contrário do que ocorria com os demais gêneros literários”.
Era uma óbvia constatação para aqueles anos de que, apenas a partir dos jornais e das revistas, a crônica poderia frutificar, submetida, após sua publicação diária ou semanal, a um processo de seleção por parte do escritor, que assim escolhia o material menos descartável para editá-lo em forma de livro. No trabalho em questão, tratei de abrir um parêntese (ou parêntesis – a critério do autor) para sublinhar a existência inusual de alguns cronistas na tevê, entre os quais despontavam Affonso Romano de Sant’Anna e Arnaldo Jabor, mas admitia (com razão) que as dificuldades de ler ou improvisar um texto na televisão constituíam aspectos que provavelmente impediriam o desenvolvimento daquele tipo de apresentação.
É claro que não podia imaginar a futura expansão das chamadas redes sociais e tampouco o uso que delas fariam alguns escritores em busca de novas alternativas de expressão e comunicação. Léo Iolovitch foi um dos que acreditou nas possibilidades abertas pelo assombroso campo da internet e se pôs a publicar textos no Facebook, obtendo com os mesmos uma repercussão espetacular. É de se supor que, independentemente da rede, o autor não se sentiria estimulado a redigir suas crônicas, por não encontrar um espaço prévio que permitisse o intercâmbio com os leitores. Em síntese, o meio criou a mensagem, e o cronista, que hoje nos emociona e diverte, é filho das novas redes comunicativas que assinalam a contemporaneidade. Não deixa de ser espantoso que um gênero tradicional da literatura brasileira renove-se a partir do aparato técnico.
Surpreendem também no livro – que os leitores agora vão fruir – os comentários que antecedem cada crônica. Representam uma troca imediata, um diálogo sem mediações entre o autor e os internautas que desfrutam dos pequenos textos postados e os comentam livremente. Isto quer dizer que, quando Léo Iolovitch decide publicar em livro suas crônicas, ele já conhece (pelo menos parcialmente) a recepção que as mesmas terão junto ao público. Algo possível só no século XIX, pois em geral os ficcionistas testavam primeiramente as virtudes de suas narrativas sob a forma de folhetins que vinham à luz nos jornais da época.
Resta, contudo, em Descendo da nuvem, uma última surpresa. Reconhecido e aplaudido na rede social, o escritor – motivado, quem sabe, pela formação livresca que imperou no ensino até três ou quatro décadas atrás – decidiu editar as suas melhores crônicas não como um e-book para ser lido em aparatos eletrônicos, e sim como livro, livro de papel, um antigo e nobre artefato que podemos visualizar, tocar, cheirar, e que ainda parece ser a mais definitiva e superior instância de fixação e permanência da criatividade literária. Uma sábia escolha.
Dito isso, boa leitura a todos.
*Professor de Literatura da UFRGS