PERFUME DE MULHER

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Ele usava barba comprida e por isso ganhou o apelido de Profeta. Era um tipo formal, cheio de circunstâncias e algumas más intenções. Sempre de terno e gravata tratava todos com cerimônia, até mesmo na sua casa. Tinha um problema olfativo e dizia que era “um pouco surdo do nariz”, diante da sua dificuldade em identificar odores.

Chegava mais tarde em casa em alguns dias da semana, justificando de forma lacônica que participava de reuniões em uma sociedade fechada e masculina, onde estudavam as grandes questões do universo. Acrescentava que não poderia comentar mais sobre o assunto. A verdadeira sociedade secreta do Profeta era sua amante. Frequentava o apartamento dela e depois voltava ao lar. Ninguém desconfiava.

Foi o olfato que traiu o Profeta. A amante adorava perfume e comprou um vidro de Poison vindo do Paraguai. Como ele não sentia o cheiro, ela se encharcava da venenosa fragrância, impregnando sua barba.
A esposa identificou o cheiro, tinha rudimentos de francês e perguntou de forma incisiva: “Quem é a peçonhenta”? A raiva e a ironia dela permitiram que ele fingisse não entender e pudesse inventar uma desculpa. Ela preferiu não polemizar, mas avisou que na próxima a coisa iria feder, mantendo o debate no campo olfativo.

A partir daí ele mudou seus planos e passou a encontrar a amante no final da tarde. Justificava seus atrasos dizendo que agora fazia sauna com uma turma de amigos. Para dar credibilidade ele passava essência de eucalipto no corpo e chegava em casa com aquele cheirinho de sauna, acrescido da colônia “Pinho Silvestre” que passara a usar. Poderia até ser cadastrado no Ibama, pois tinha cheiro de árvore e cara de pau...

A estratégia vegetal tinha restrições, pois ele andava voltando muito tarde em horário incompatível com sauna. Foi quando bolou o plano que considerava genial. Comprou dois vidros grandes do perfume Opium, que apesar do cheiro enjoativo tinha muito prestígio na época, deu um para a mulher e outro para a amante. Assim equalizou os cheiros e não precisou mais bolar estratagemas complicados.

Por um bom tempo passou a viver tranquilo sua vida dupla. Porém, um dia ao chegar em casa a mulher começou a cheirar-lhe o cangote. Ele sentiu que havia algo errado, mas ficou frio.  Ela contou que o vidro do perfume caiu no banheiro e quebrara há mais de dez dias. Como ele poderia estar com aquele cheiro?

Sem perder a compostura ele comentou: “Ora querida, eu nunca falei para não te chatear, mas tu sempre exageraste na dose. Estes perfumes franceses vêm com alerta na caixa: USE COM MODERAÇÃO.  O que estás sentindo ainda é do que usaste anteriormente”. Ela fingiu concordar, mas ficou furiosa e pensando em vingança.

Na segunda feira, após o jantar, ele começou a sentir dores terríveis no estômago e correu para o banheiro. Parecia um vulcão dentro dele e começou a se esvair, parecia que não terminava mais. Suava frio e tremia. Ficou com medo de ter um desmaio e chamou pela mulher.

Ela, cumprindo sua ameaça malcheirosa, tinha colocado quase um vidro inteiro de laxante na comida dele; ao vê-lo sentado no “trono” sem nenhuma majestade, pálido e trêmulo, alfinetou:
Não sei o que andas comendo fora de casa, mas deves estar intoxicado. Toma umas gotinhas deste laxante, para limpar tudo. Talvez resolva, se não solucionar aqui na caixinha está escrito: SE PERSISTIREM OS SINTOMAS, UM MÉDICO DEVERÁ SER CONSULTADO”.

Música – POR UMA CABEZA – Carlos Gardel/John Williams



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