PROCURANDO ESTRELAS

Para ouvir o som clique no botão ao lado.

Era criança e ficava com meu pai contemplando as estrelas, admirava extasiado aqueles minúsculos pontos brilhando no céu. Isso acontecia quando estávamos num lugar distante ou faltava energia elétrica, pois as luzes da cidade impedem que se veja o espetáculo celeste com a mesma nitidez. Assim, na escuridão da noite passávamos algum tempo observando a lua e as estrelas. Eu fazia perguntas e mais perguntas e o pai paciencioso respondia, desfrutando o prazer daquele diálogo.

Uma ocasião ele pediu que eu escolhesse uma estrela, identificasse uma dentre todas aquelas que eram objeto de nossa contemplação. Fiquei em dificuldade, mas insistiu: “fixa o olhar e escolhe uma, não precisa me mostrar”. Levei algum tempo, me detive numa e falei que já tinha escolhido. Perguntou se eu sabia bem qual era ela, ao que respondi afirmativamente. Esperou um pouco e disse que a partir daquele momento aquela estrela era minha. Percebendo a incredulidade no meu rosto reafirmou com a inquestionável autoridade paterna, que como existiam muitas, bastava eu querer que seria seu dono, ele estava me assegurando, usando um tom persuasivo tão convincente como um título de propriedade.

Desde então, sempre que olhava para o céu, ficava buscando a “minha” estrela, mas com alguma incerteza, de como poderia ser dono de algo que não podia tocar, que era intangível. Talvez estivesse precocemente intuindo uma questão de Direito Civil, de uma propriedade sem título, nem posse. Porém, a assertiva paterna afastava ou pelo menos diminuía minha dúvida de natureza dominial. Ademais, a questão era quase um segredo, entre eu, meu pai e aquela estrela, que fazia com que me sentisse rico; sem que - naquele tempo - soubesse aquilatar a dimensão daquela riqueza.

Passaram-se os anos. Na adolescência eu ri do episódio, quando me lembrei dele e o coloquei na conta de um pai que ludibriou o filho com uma conversa fiada, que poderia ter agido melhor dando uma bola ou uma bicicleta. Com a irreverência própria da juventude, me permiti pensar que o velho fora um sacana.

Mas o tempo passa, as coisas mudam e nós mudamos também. Porém, o céu permanece igual. O que pode mudar é a forma de observá-lo, que permite identificar coisas que outros não conseguem perceber.

No silêncio e na escuridão da noite posso desfrutar o privilégio da contemplação do firmamento, acalentar o gozo da minha riqueza extraordinária de ser o dono de uma estrela, que não necessita título, nem posse e, muito menos, obrigação de declarar no imposto de renda. É um patrimônio secreto que me exige apenas o exercício de procurá-la na imensidão do céu, localizá-la no meio da noite, para reafirmar o quanto é inquestionável a minha propriedade sobre a aquele tesouro, que recebi do meu pai.

Ao fazer este relato, estou desvelando parte de um segredo, mas que se revela apenas parcialmente, pois não disse onde ela fica e nem pretendo contar. Quem sabe talvez um dia, ou melhor, uma noite, possa localizá-la para os meus netos, se quiserem - ao meu lado - procurar estrelas no céu.

Música – A SKY FULL OF STARS – Coldplay



Compartilhar:


IR AO ÍNDICE