TESOURO DA JUVENTUDE

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Ele apareceu ninguém sabe de onde. Era um velho estranho, falava arrevesado e dizia que era húngaro. Abriu um bar pequeno, escuro, numa rua sem movimento. Por curiosidade e falta do que fazer, começamos a frequentar a espelunca, onde a bebida era farta e barata, o que só fomos entender mais tarde. Ele servia um guisado de origem imprecisa, com molho vermelho e picante, que os desavisados pensavam que fazia parte da culinária magiar, além duns salgadinhos gordurosos com grãos de papoula. 

Um dia surgiu um baralho e começaram as rodas de pontinho. Por razões que até hoje ninguém conseguiu explicar, umas mulheres interessantes passaram a ir lá. A palavra “interessante” é a que melhor as define, considerando as circunstâncias dum local com muita bebida, pouca luz e numa época em que os bolsos viviam tão duros como a anatomia que ladeavam. 

O velho era um atochador clássico. Sobre os grãos de papoula fazia comentários ligando ao ópio, que disse conhecer quando viveu na China. Suas frases eram incompletas para que a imaginação do interlocutor buscasse o sentido, com o que desejava escutar. 

Naquele ambiente escuro, jogando cartas com os amigos, cercados das mulheres interessantes, gastando pouco e bebendo muito, só tínhamos hora para entrar e nunca para sair. Somava-se a isso a figura ímpar do misterioso proprietário que, depois descobrimos, nunca pagou aluguel, nem fornecedores, o que de certo modo explicava os preços baixos que cobrava.

Como o lugar era pequeno, não comentávamos com estranhos o que lá se passava, para evitar que viesse mais gente e terminasse aquela nossa privacidade, num ambiente que parecia um filme, mas em que éramos os artistas. Se contássemos o que lá acontecia, poucos iriam acreditar. Quase ninguém sabia da existência do lugar e não era fácil localizar. Na frente havia apenas uma luminária fraca sobre a porta de entrada.

Uma ocasião ele quis colocar uma placa - Bar Danúbio - homenageando sua suposta terra natal. O pessoal não gostou e disse a ele que devia me consultar, pois eu era bom em dar nomes. Então veio falar comigo, para saber se tinha uma sugestão para aquele lugar, quase secreto, em que passávamos momentos incríveis e inesquecíveis. 

Lembrei-me da coleção de livros, que era o sonho de todo pai presentear os filhos para proporcionar cultura com leitura fácil, cujo sucesso se devia muito ao título que o editor deu a ela. Achei que era o nome ideal para aquele bar escondido, mas com uma condição, que a placa ficasse na parte interna da porta, voltada para dentro; assim foi feito, ficou lá pendurada até seus últimos dias. Não dizia bar, nem restaurante, nada. Apenas o nome: O TESOURO DA JUVENTUDE.

Música: CZARDAS – Os Incríveis



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