VOANDO

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Ao deitar, naquela fase que antecede o sono, tentava desligar e esquecer tudo que aconteceu no dia e se imaginava comandando um avião. Eram momentos prazerosos, conferindo instrumentos, acionando botões e comandos, fazendo o aparelho subir aos ares e voar na imensidão do céu.

Quantas e quantas vezes aqueles pensamentos, que serviam para atrair o sono, o acompanhavam e tornavam-se sonhos. Via-se vestindo blazer e quepe, desfilando garboso no saguão do aeroporto, antes de assumir o comando, e depois, dando instruções à tripulação para rumar ao espaço. Tão intenso o seu desejo, que a imaginação povoava a mente nos devaneios noturnos.

Fechava os olhos e embarcava no seu avião imaginário, deliciava-se naqueles momentos entre a vigília e o sono; fazia a aeronave vencer a pista, começava a subir e via o céu repleto de nuvens gordas, fofas e lindas esperando, como se estivessem lhe saudando, para cruzá-las orgulhoso conduzindo aquele gigante de metal.

Ao despertar ainda sentia o gostinho bom do sonho da noite, mas tinha que sair da cama para trabalhar e enfrentar a realidade. Não contava nada a ninguém, embora seus amigos soubessem do seu gosto por aviação, sempre lendo ou procurando notícias ou usando programas de simuladores de voo na internet. Sabia muito sobre aviões e fixara mentalmente as imagens das cabinas de comando, com seus múltiplos painéis e informações técnicas.

O preço do curso de pilotagem era inacessível a ele, que trabalhava como motoboy durante o dia e à noite numa pizzaria. Seu consolo ficava por conta dos sonhos, que conseguia induzir com os pensamentos noturnos, que lhe propiciavam o que a realidade não podia lhe proporcionar.

Numa ocasião sonhou com uma viagem belíssima, o céu de um azul intenso e o pouso perfeito no aeroporto bonito perto do mar, tudo sob seu comando. Não queria que o sonho acabasse. Ao acordar parecia até que tinha sido real. Estava feliz.

Naquele dia, enquanto trabalhava, pensou em vender a moto e pagar as primeiras parcelas do curso, mas o financiamento não estava quitado e havia duas quotas em atraso. As lembranças do sonho, somadas ao desejo de pilotar, lhe estimularam a acelerar. Não se sabe de onde surgiu o caminhão. Tudo foi muito rápido.

Não sentiu o frio do asfalto molhado, nem ouviu os gritos e comentários das pessoas que assistiram. Antes de fechar definitivamente olhos, começou a subir e viu o céu repleto de nuvens gordas, fofas e lindas esperando, como se estivessem lhe saudando, para cruzá-las orgulhoso conduzindo o avião dos seus sonhos.

Música: AIRPORT LOVE THEME – Vincent Bell



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